Desafio




    O fim da tarde chegou com o vento farfalhando as folhas das árvores que caiam pelo pátio da escola, a última aula estava quase no fim, alguns alunos já estavam indo embora, mas um pequeno grupo conversava calmamente em baixo da maior árvore do pátio, um dos vários pés de castanholas que haviam no local, eles eram seis no total.

- Só um pode entrar no grupo, aquele que merecer. – David olhava para as folhas que caiam.

- Eu mereço. – Disse Jonas.

- Eu acho que mereço mais que ele. – Berg empurrou Jonas.

- Tudo bem, chega desse papinho “eu mereço mais e viva a paz mundial”, não quero palavras, quero provas, quero atitude. – David levantou, ele era o líder do grupo e também o mais velho dos seis, tinha treze anos, todos ficaram calados esperando David falar mais alguma coisa. – Meu Deus, onde está a iniciativa de vocês? Eu dei essa pausa dramática para um dos dois perguntar como poderiam provar que são merecedores, mas mesmo ninguém perguntando, ai vai à resposta, um desafio.
 
- Que desafio? – Jonas olhou para David, ele era o mais novo dos seis, tinha oito anos.

- Isso pequeno Jonas, iniciativa, adoro isso, nos encontrem na frente do cemitério hoje as 21:00h, então eu digo qual o desafio.

- Cemitério.

- Isso mesmo Berg, você pode desistir e o Jonas entra automaticamente.

- Não, eu vou estar lá.

- 21:00h então, não faltem. – David e os outros deixaram Jonas e Berg sozinhos na grande árvore, calados.

- Se liga inseto, você já dançou. – Sendo quatro anos mais velho que Jonas ele já considerava o desafio ganho.

Como combinado eles foram ao local marcado, David e os outros já estavam na frente do cemitério na hora exata, menos Berg que chegou atrasado.

- Cinco minutos atrasado, isso não é nada bom, o pequeno Jonas já estava aqui antes de todos, e isso sim é bom. – David estava sentando em baixo de uma árvore olhando o céu.

- Foi mal, acontece que...

- Sem desculpas e vamos ao que interessa. – Ele levantou. – Quero olhar para os dois, gostei da roupa escura Jonas, sempre te achei meio ninja, mas não vamos prolongar mais, o desafio é simples, vocês tem três horas para trazer um crânio até aqui, quem conseguir chegar aqui primeiro com um está dentro.

- Mas como assim?

- Eu não sei, se virem, é até meia noite, o tempo está passando, andem! – David voltou para baixo da árvore e os dois correram na direção do cemitério.
 
   Eles pularam o muro, estavam dentro, e cada um seguiu um caminho diferente, o céu estava limpo e a noite estrelada seria linda em qualquer outro dia menos naquele, as árvores exibiam as poucas folhas que lhe restavam, e os animais noturnos seguiam a melodia da noite, o ambiente não era nada receptivo e o frio já começava a incomodar, Jonas se aventurou entre os túmulos e cruzes quebradas procurando algo que lembrasse um crânio, muitas vezes ele já havia estado por ali, visitando parentes mortos, tinha uma vaga lembrança de um lugar com jazigos abertos pelo tempo.
 
- Droga, onde era mesmo? – Tentava lembrar, seguiu por uma trilha, a luz vacilante do pequeno poste mais a frente tornava o ambiente mais sombrio do que já era. – Perfeito, efeitos especiais. – Ironizou.

Berg seguiu para a capelinha que ficava no centro do cemitério, lá era o local onde colocavam as ossadas quando preparavam os túmulos sempre que iria haver algum enterro, com sorte teria algum para amanhã, ele chegou à capela, a porta estava destrancada.

- Fácil muito fácil – Mas a sorte não estava tão ao seu favor, o local estava vazio, andou mais um pouco iluminando o que podia com a luz do celular. – Vou perder para aquele moleque. – Pensou em quanto subia as escadas, ele parou próximo a uma janela e observou tudo de cima, algo se movia entre os túmulos, era Jonas. – Será que ele está se saindo melhor? Mas eu dou um jeito nisso. – Berg desceu as escadas e foi em sua direção.

   Jonas passou pelo poste e seguiu para o lugar onde ficava um jazigo aberto, o silêncio era torturante, um simples passo era poderoso naquele local, ele chegou ao lugar desejado e achou o túmulo meio aberto que havia visto e alguns ossos, ele pegou um pedaço de galho e mexeu na ossada, e lá estava o crânio.
 
- Eu só vou pegar emprestado, prometo, depois devolvo. – Sussurrou olhando na direção do buraco, pegou o crânio com o galho e enrolou em seu blusão.

- Valeu moleque. – Berg o empurrou e pegou o crânio no chão. – Poupou meu tempo.

- Sai fora Berg. – Ele levantou. – Isso é meu.

- Agora é meu. – Voltou a empurrar Jonas que dessa vez caiu dentro do buraco. – Fácil. – Saiu rindo.

Jonas levantou pegou o blusão no chão colocou umas pedras e correu na direção de Berg.

- Me devolve agora Berg.

- Fica na sua,
lenhador de Bonsai. – Colocou o crânio em cima de um túmulo, e pegou Jonas pelo pescoço. – Quer saber, vou dar um jeito em você até eu ganhar o desafio. – Saiu arrastando ele até uma capela particular, usada para enterrar pessoas da mesma família.

- Me solta. – Jonas tentava se livrar com uma mão em quanto segurava o blusão com as pedras em outra, Berg segurou a cabeça de Jonas com as duas mãos e bateu com ela contra a parede, ele ficou tonto no chão, abriu a porta da capela e o empurrou dentro.

- Vai ficar ai meia-foda. – Falou Berg enquanto abaixava para pegar seu smartphone que caiu. – Afinal essa quem vai Le... – Antes que terminasse a frase foi atingido na cabeça, Berg caiu e Jonas o golpeou sem dó com as pedras que estavam no blusão.

- Dessa vez não, girafa de salto alto! – Berg estava desacordado, Jonas olhou para o lado e viu algumas gavetas na parede da capela, lacradas com um grande parafuso, borboleta central, subiu em cima de Berg girou o parafuso e puxou uma gaveta, um grande caixão surgiu, Jonas girou os parafusos e tirou a tampa, apenas pó descansava lá dentro e então olhou para Berg no chão.

Faltando 20 minutos para meia noite Jonas chegou onde David e os outros estavam, totalmente sujo, Jogou o blusão no chão, o crânio rolou batendo em seus pés.

- Muito bem pequeno Jonas. – David riu. – Acho que já temos nosso novo membro, mas o outro onde está?

- Eu não sei, assim que entramos cada um seguiu um caminho.

- Não importa mesmo, vamos indo, você venceu o desafio. – Os cinco seguiram juntos se distanciando lentamente.
 
   A calmaria voltou ao cemitério depois que seus visitantes indesejados se foram, ou melhor, quase todos, Berg acordou ofegante, tentou levantar, mas não conseguiu, estava preso, tateou os bolsos e pegou um celular, mas não era o seu, era de Jonas, pressionou os botões e uma luz verde acendeu, era limitado, sem acesso a internet.

- Meu Deus! Deus! – Respirava rápido, tocou a cabeça e iluminou a mão, sangue, girou o celular, o cheiro era horrível. – Deus! caixão? Isso é um caixão? Socorro! Socorro! – Ele batia desesperadamente na porta do caixão. – Socorro! – Pegou o celular colocou próximo do rosto e discou um número, na tela uma mensagem piscava.


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