Quando criança morria
de medo das histórias de terror que eram contadas toda noite quando os mais
velhos se reuniam, era o melhor momento das minhas férias no interior, mas
mesmo temendo tanto essas histórias e sendo elas a causa de minha insônia esse
era o momento do dia que eu mais aguardava, histórias de fantasmas me deixavam
com medo até de ir tomar água sozinho, a eles sempre eram atribuídos poderes
sobrenaturais como a onisciência e tantos outros.
Certa vez minha avó contava uma de
suas “histórias de antigamente”, assim ela costumava chama-las, de como um amigo
de seu pai havia passado a perna em um morto, ele havia entrado de meia noite
em um cemitério roubado um osso em túmulo qualquer levado para casa e antes de
dormir dito que só devolveria o osso roubado se ele no caso o "espírito do
morto" com seus poderes oniscientes lhe desse o milhar do jogo do bicho,
jogo muito popular em cidades pequenas, segundo minha avó não deu outra o
espírito do morto querendo descansar em paz apareceu em sonho e deu o milhar
para o sujeito afim de recuperar seu osso roubado, ele tirou uma bolada e
debandou da cidade.
Naquela noite fui dormir pensado naquilo e no
dia seguinte contei ao meu amigo de escola, Fábio, que também ficou muito
impressionado, éramos crianças, lembro que aquela tarde durante o intervalo
fantasiamos as mil coisas que compraríamos com o dinheiro do milhar, isso mesmo
compraríamos, já estava decidido iríamos sequestrar um osso no cemitério e só devolveríamos
depois de uma conversinha com o dono.
Na noite
anterior ao roubo ficamos combinando como tudo seria feito, sairíamos da escola
uma hora antes do fim das aulas roubaríamos um osso do cemitério e levaríamos
para a minha casa eu mal dormi de tanta excitação, no dia do roubo fizemos tudo
como combinado, mas achar um osso não foi uma tarefa fácil e não podíamos
arrombar um túmulo por mais vontade que tivéssemos, andamos mais de uma hora
sem sucesso, paramos e sentamos em um dos túmulo para descansar.
- Olha, cemitério fecha?
- Creio que sim Fábio.
- Se fecha então está perto,
olha a hora daqui a pouco já é noite.
Realmente a noite já caia, resolvemos
ir para casa e tentar outro dia, no caminho de volta a sorte nos sorriu, um
osso solitário praticamente acenava pedindo para ser vítima de um sequestro
relâmpago, era metade de um osso, mas não deixava de ser osso.
- O que está esperando, pega
o osso.
- Não Fábio, você pega,
afinal já vou levar na minha mochila e pra minha casa.
- Não, você.
Foram incansáveis 15 minutos de não
você, não você até que minha insistência venceu, ele colocou o osso na minha
mochila e seguimos para casa, cada um já pensando no que ia fazer com a sua
parte do dinheiro, nos encontramos mais tarde na rua para combinar os últimos
detalhes, ficou decidido que quem dormiria com o osso embaixo do travesseiro
seria eu, afinal o Fábio não conseguia lembrar nem dos dias da semana na sequência
correta lembrar de seus sonhos então seria um dos 12 desafios de Hércules.
Tudo pronto, a hora enfim chegou, estava
com medo e sentia repulsa, mas tinha que esperar o dono do osso aparecer com o
resgate, era uma boa causa, dormi e talvez pela ansiedade não lembro de ter
sonhado com nada, segundo dia fiz tudo novamente e nada, no terceiro dia eu já
havia me acostumado com aquele osso embaixo do travesseiro deitei e dormi
rápido o sonho foi bem lúcido incoerente, mas lúcido, primeiro eu estava em um
píer, momentos depois estava submerso na água e quando voltava a superfície
estava em um cemitério e a água agora eram folhas secas, andei um pouco e o
caminho se estreitava não via ninguém, mas na frente um vulto se mexia sem
parar tomava forma aos poucos, era uma velha e do nada eu já estava bem na
frente dela uma criatura sinistra com um lenço amarrado na cabeça envolta num
xale imundo faltava uma perna, ela pulava fazia gestos e gemia, apontava para a
perna e para o túmulo, mas nem uma palavra era dita, só murmúrios
incompreensíveis, de algum modo eu sabia que ela era a dona do osso roubado, no
sonho eu tinha coragem e a ameaçava "Só devolverei o osso de sua perna
quando você me der o milhar", ai é que ela gemia, percebi que era tudo em
vão a maldita velha era muda, tínhamos roubado o osso de uma muda de tantos
mortos naquele cemitério logo o de uma muda, acordei muito assustado corri pra
cama da minha mãe e de lá não sai até o dia clarear e sempre que fechava os
olhos a velha pulando aparecia para me perturbar, seguia a sequência: ela
pulava, gemia, apontava para o túmulo e depois para a perna que faltava, foi
uma tortura.
No dia seguinte antes
de ir para a escola eu e meu amigo passamos correndo pela frente do cemitério e
jogamos o osso por cima do muro, se foi imaginação eu não sei, depois que
devolvi o osso a "muda" não perturbou mais os meus sonhos, daquele
dia em diante tomei duas decisões a primeira foi desistir de tentar ficar rico
por meios sobrenaturais e a segunda foi
aprender a linguagem dos sinais, afinal nunca se sabe.
um muda, comédia e terror kkkk bem bolado
ResponderExcluirespetacular!
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